domingo, 24 de abril de 2011

Cantão e Carminha - O Carro Alienado

Carminha: Nossa, Cantão, que boa ideia essa nossa de arrumar um carro, né?

Cantão: Nem me diga, Carminha. Não sei o que esse pessoal do metrô tem na cabeça, viu... eles ligam o ar-condicionado no último! Outro dia, fazia 35 graus fora e -12 dentro do vagão.

(Darini: Quem já andou nos "novos trens do metrô de São Paulo" sabe do que estou falando. ;)

Carminha: Sério?

Cantão: Se é sério? Outro dia, vi um protesto de pinguins na Paulista! Sabe do que eles estavam reclamando? Do FRIO dos trens!

Carminha: Bom... mas todos esses problemas vão acabar.

Cantão: Sim, sim... mal vejo a hora de aproveitar as comodidades de ter um carro: ficar parado horas em congestionamento, arregaçar a suspensão nos buracos que esta prefeitura incompetente deixa formar nas ruas, ser vítima da indústria de multas criada pelo complô CET / empresas de radares, pagar quase R$2,50 no litro de gasolina num país que se diz autossuficiente em petróleo, que tem como maior bandeira ideológica uma empresa petrolífera MONOPOLISTA, sendo que a Argentina, que compra da gente, paga menos que isso... ah, a modernidade!

Carminha: Ah, mas não reclama, Cantão. Carro é status! Olha a loja, chegamos!

Cantão: Moço, eu queria um carro... tem como?

Vendedor: Claro que sim! Aqui, temos um exclusivo lançamento da Roubout: tem direção, vidro e trava.

Carminha: Ué... mas se não tivesse direção, como a gente ia guiar essa tranqueira? Que burro ele é, hein, Cantão?

Vendedor: Er... como eu dizia, ele está em excelentes condições.

Cantão: Hmmmm... se der problema, tem garantia?

Vendedor: Amigo, la garantía soy yo! Caso o carro dê problemas, só não vá cair na besteira de relatar o problema em sites da internet, hein? Nossa empresa já tem esquema com vários juízes, que dão ganho de causa pra gente, mandam tirar a reclamação do ar, dão três tapas na cara do denunciante, mordem o rabo do gato deles e colocam chocolate hidrogenado na panela de feijão. Lembre-se disso: a empresa é grande e faz o que quer; o consumidor é pequeno e fica calado.

Carminha: Ah, eu achava que só juiz de futebol podia ser comprado.

Vendedor: Inocente essa menina, hehehe... mas então... vão querer?

Cantão: Deixa a gente dar uma pensada, pode ser?

Vendedor: Claro! Fiquem à vontade! (e sai)

Carminha: Então, Cantão... o que acha?

Cantão: Ah, parece ser um bom negócio. Só não gostei muito da parte do "Grandes Empresas, Grandes safadezas" que ele disse, mas... este país já está submetido às vontades das teles, das farmacêuticas, das empresas aéreas, das grandes empresas de comunicação... ficar submetido à vontade de um a mais não vai fazer diferença.

Carminha: Bom, isso é verdade. Mas olha só isso, Cantão! O carro parece estar alienado!

Cantão: Não pode ser... nossa, é mesmo! Ei, vendedor! O carro está alienado!

Vendedor: Imagine, não está não!

Carminha: Ah, e como está. Quer ver? Carro, diga alguma coisa!

Carro: Eeeeeeu sou brasileeeeiro... com muito orguuulhooo... é penta, Brasil! Vai junto com a seleção!

Cantão: Viu só? Totalmente alienado. Vocês dão desconto por isso, não?

Vendedor: Olha, vocês estão levando a situação por outro lado. O carro...

Carro: Adoro futebol, samba e carnaval! Pra mim, não precisava ter mais nada nessa vida!! Uhuuuuuuuu!!

Cantão: Mas o que é isso? A coisa é mais grave do que eu pensava, hein?

Vendedor: Olha aqui... esse carro...

Carro: Vão logo! Me comprem, porque hoje tem a final do BBB! O Janjão e a Mila Boca D'ouro estão no paredão!

Carminha: Ah, aí já é demais.

Cantão: Pô... esse carro só assiste à Globo? Olha o mal que isso faz no cérebro de qualquer coisa!

Carminha: Cantão... fazer um teste, vai...

Cantão: Tá certo. Carro, analise a seguinte fala de Nietsche:

"Abstração feita das exigências que a religião impõe, pode-se muito bem perguntar: por que haveria mais glória para um homem que envelheceu, que sente o declínio de suas forças, ficar esperando seu lento esgotamento e sua dissolução do que ele próprio fixar, em plena consciência, um fim? O suicídio é, neste caso, um ato de todo próximo e de todo natural que, enquanto triunfo da razão, deveria, equitativamente, suscitar respeito: e até o suscitou naqueles tempos em que os guias da filosofia grega e os mais corajosos patriotas romanos costumavam morrer por suicídio.

Pelo contrário, é muito menos respeitável a ânsia de se prolongar de dia para dia por meio da inquieta consulta dos médicos e o mais penoso regime de vida, sem forçar para chegar mais perto do próprio termo da vida.


As religiões são ricas em expedientes contra a necessidade do suicídio: é um meio para se insinuar junto daqueles que estão apaixonados pela vida."



Carro: Ah, que suicídio o quê... a vida é bela! Tem futebol, cerveja, praia e carnaval!

Vendedor: Ah, mas aí vocês forçaram... o que queriam que o carro respondesse?

Cantão: Bem que ele podia ter respondido que os guerreiros de diferentes culturas se suicidavam por causa "da honra" (como os samurais) ou se entregavam espontâneamente à morte (como amplamente "documentado" pelas literaturas). A entrega espontânea à morte não deixa de ser, de certa forma, um modo distinto de suicício, mas com menos culpa do que aquele em que o executor e o condenado são as mesmas pessoas. Perdi a batalha com meu inimigo? Sem problemas, entrego-me à morte pelas mãos deles. Meu reino foi invadido, saqueado e destruído por forças invasoras? Da mesma forma, deixo deliberadamente que estes invasores façam minha sentença.


Carminha: Depois, complementaria a ideia dizendo que o ato de se entregar à morte é mais um gesto de coragem, ao mesmo tempo que traduz o medo da incerteza das consequências vindouras, caso esse ato não tivesse sido tomado. Vale mais, na forma do pensamento heroico, morrer nobremente a ter que passar o resto dos dias humilhado pelas forças dominantes. O mesmo pode-se dizer do "morrer por uma causa", que não deixa de ser um ato de suicídio. O ato de entregar a vida a essa causa a torna mais digna, mas séria, mesmo que o suicida, obviamente, não esteja mais lá para presenciar se obteve sucesso. Todavia, isso não importa, pois a paixão e a cegueira o dominam, e ele entrega sua própria vida com prazer e orgulho.


Vendedor: Ora, não menosprezem a capacidade de nosso carro. Ei, carro...

Carro (desatento, cantando): É a dança do carrinho, é a dança do carrinho, vai descendo, vai descendo, a bundinha até o chão! (voltando a si): Oi... ai, desculpa... tava pensando aqui... como a Ivete é poderosa, né? Adoro ela! É tudo de boooooom! Muito axé!

Carminha: Não falamos? Alienado de tudo!

Cantão: HAHAHAHA! Eu poderia ficar horas fazendo isso!

Vendedor: Buááááááááááááááá! Isso que vocês estão fazendo é "bullying" automotivo! Ele vai ficar traumatizado!

Carminha: Não, fica tranquilo, rapaz. Alienado do jeito que ele é, nunca vai perceber que passou por isso.

Cantão: Sim, sim. Para ele, estamos falando grego!

Vendedor: Bom, mas isso não vai impedir de fecharmos negócio, certo? Vejam aqui esse outro carro.

Outro carro: Psssst! Façam silêncio! Já tá na hora da novela! Não perco por nada!


- Darini

4 comentários:

  1. hehehehehee...
    boa crítica... curti...
    abraços

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  2. Faz uma da Carminha pegando Cantão com a boca na botija chegando ao puteiro.
    Faz uns desenhos tb, pra gente ter uma ideia de como vc tem eles na mente.

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  3. AuhAUHuaHUhaUHA! Pôxa, a minha autocensura não me deixa fazer uma coisa dessas, ehehhee... além disso, se você olhar numa história anterior (não lembro qual), eles dizem que são virgens! ;)

    Até já imaginei o lance do desenho, mas não sei fazer. O ideal de não os ter na mente é isso: eles podem ter QUALQUER fisionomia que o leitor quiser.

    []s

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  4. Cantão é virgem!?
    Mais um motivo para que ele procure a ajuda das "profissionais"!!!!
    hahaha

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